domingo, 20 de março de 2016

Não sei ser triste a valer

Não sei ser triste a valer
Nem ser alegre deveras.
Acreditem: não sei ser.
Serão as almas sinceras
Assim também, sem saber?

Ah, ante a ficção da alma
E a mentira da emoção,
Com que prazer me dá calma
Ver uma flor sem razão
Florir sem ter coração!

Mas enfim não há diferença.
Se a flor flore sem querer,
Sem querer a gente pensa.
O que nela é florescer
Em nós é ter consciência.

Depois, a nós como a ela,
Quando o Fado a faz passar,
Surgem as patas dos deuses
E a ambos nos vêm calcar.

'Stá bem, enquanto não vêm
Vamos florir ou pensar.


*Fernando Pessoa*
Em “POESIAS INÉDITAS (1930-1935) de FERNANDO PESSOA”, 
Lisboa, Editora Ática, 1ª Edição, Volume 7, 1990.

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