domingo, 14 de janeiro de 2018

Desacerto

Ternura em movimento,
vamos os dois – o sol e a sombra juntos –
O futuro e o passado no presente.
O que te digo é urgente;
O que tu me respondes não tem pressa.
A minha voz acaba na vertente
Onde a tua começa.

Apertamos as mãos enamorados.
Uma quente, outra fria...
E sorrimos às flores que no caminho
Nos olham com seus olhos perfumados.
Tu, de pura alegria;
Eu, de melancolia...
Um a cuidar, e o outro sem cuidados.

Canta um ribeiro ao lado.
Ambos o ouvimos, mas diversamente.
O que em ti é promessa de frescura
À terra da semente semeada,
Em mim é já certeza de secura
De raiz arrancada.

Almas amantes e desencontradas
na breve conjunção
Que tiveram na vida,
Levo de ti um halo de pureza.
Deixo-te a inquietação duma lembrança...
E é inútil pedir mais à natureza,
Surda ao meu desespero e à tua confiança.


*Miguel Torga*
Em “Poesia Completa”, Lisboa/Portugal, Publicações Dom Quixote, 2ª Edição, 2002.

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