domingo, 12 de abril de 2015

Recordação

Agora, o cheiro áspero das flores
leva-me os olhos por dentro de suas pétalas.
Eram assim teus cabelos;
tuas pestanas eram assim, finas e curvas.

As pedras limosas, por onde a tarde ia aderindo,
tinham a mesma exalação de água secreta,
de talos molhados, de pólen,
de sepulcro e de ressurreição.
E as borboletas sem voz
dançavam assim veludosamente.

Restituiu-te na minha memória, por dentro das flores!
Deixa virem teus olhos, como besouros de ônix,
tua boca de malmequer orvalhado,
e aquelas tuas mãos dos inconsoláveis mistérios,
com suas estrelas e cruzes,
e muitas coisas tão estranhamente escritas
nas suas nervuras nítidas de folha
− e incompreensíveis, incompreensíveis.
”   

*Cecília Meireles*
Em “Antologia Poética - Organização da Autora”, Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, 3ª Edição, 2001.

Nenhum comentário: