quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

 “Presepe

Chorava o menino.

Para a mãe, coitada,
Jesus pequenito,
De qualquer maneira
(Mães o sabem…), era
Das entranhas dela
O fruto bendito.
José, seu marido,
Ah esse aceitava,
Carpinteiro simples,
O que Deus mandava.
Conhecia o filho
A que vinha neste
Mundo tão bonito,
Tão mal habitado?
Não que ele temesse
O humano flagício:
O fel e o vinagre,
Escárnios, açoites,
O lenho nos ombros,
A lança na ilharga,
A morte na cruz.
Mais do que tudo isso
O amedrontaria
A dor de ser homem,
O horror de ser homem,
– Esse bicho estranho
Que desarrazoa
Muito presumido
De sua razão;
– Esse bicho estranho
Que se agita em vão;
Que tudo deseja,
Sabendo que tudo
É o mesmo que nada;
– Esse bicho estranho
Que tortura os que ama;
Que até mata, estúpido,
Ao seu semelhante
No ilusivo intento
De fazer o bem!
Os anjos cantavam
Que o menino viera
Para redimir
O homem – essa absurda
Imagem de Deus!
Mas o jumentinho,
Tão manso e calado
Naquele inefável,
Divino momento,
Esse bem sabia
Que inútil seria
Todo o sofrimento
No Sinédrio, no horto,
Nos cravos da cruz;
Que inútil seria
O fel e vinagre
Do bestial flagício;
Ele bem sabia
Que seria inútil
O maior milagre;
Que inútil seria
Todo sacrifício…


*Manuel Bandeira*
Em “Estrela da Vida Inteira – Belo belo”, Rio de Janeiro, Editora José Olympio, 15ª Edição, 1988.

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