domingo, 19 de agosto de 2018

Participação

De longe, podia-se avistar o zimbório e os minaretes
e mesmo ouvir a voz da oração.

De perto, recebia-se nos braços
aquela arquitetura de arcos e escadas,
mármores reluzentes e tetos coberto de ouro.

De mais perto, encontrava-se cada pássaro
embrenhado nas paredes,
cada ramo e cada flor,
e a fina renda de pedra que bordava a tarde azul.

Mas só de muito perto se podia sentir a sombra das mãos
que outrora houveram afeiçoado
coloridos minerais
para aqueles desenhos perfeitos.
E o perfil inclinado do artesão,
ido no tempo anônimo,
um dia ali de face enamorada em seu trabalho,
servo indefeso.

E só de infinitamente perto se podia ouvir
a velha voz do amor naquelas salas.
(Ó jorros de água, finíssimas harpas!)
E os nomes de Deus, inúmeros,
Em lábios, paredes, almas...

(Ó longas lágrimas, finíssimos arroios!)

Pobreza, riqueza,
trabalho, morte, amor,
tudo é feito de lágrimas.


*Cecília Meireles*
Em “Poesia Completa (Col. Biblioteca Luso-Brasileira, Série Brasileira)”,
Rio de  Janeiro, Editora Nova Aguilar, 4ª Edição, 1993.

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