domingo, 5 de agosto de 2018

“Deus, receba em Teus braços meu pecado de pensar”...

DEUS

[...]

Mesmo para os descrentes há a pergunta duvidosa: e depois da morte?
Mesmo para os descrentes há o instante de desespero: que Deus me ajude.
Neste mesmo instante estou pedindo que Deus me ajude. Estou precisando.
Precisando mais do que a força humana. E estou precisando da minha própria força.
Sou forte, mas também sou destrutiva. Autodestrutiva.
E quem é autodestrutivo também destrói os outros. Estou ferindo muita gente.
E Deus tem que vir a mim, já que eu não tenho ido a Ele.
Venha, Deus, venha. Mesmo que eu não mereça, venha.
Ou talvez os que menos merecem precisem mais.
Só uma coisa a favor de mim eu posso dizer: nunca feri de propósito.
E também me dói quando percebo que feri.
Mas tantos defeitos tenho. Sou inquieta, ciumenta, áspera, desesperançosa.
Embora amor dentro de mim eu tenha. 
Só que não sei usar amor: às vezes parecem farpas.
Se tanto amor dentro de mim recebi, e continuo inquieta e infeliz, 
é porque preciso que Deus venha.
Venha antes que seja tarde demais.

[...]

*Clarice Lispector*
Fragmento extraído de “A descoberta do mundo”, Rio de Janeiro, 
Editora Nova Fronteira, 2ª Edição, 1984.

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