terça-feira, 19 de janeiro de 2021

 Um Sorriso

Vinha caindo a tarde. Era um poente de agosto.
A sombra já enoitava as moitas. A umidade
aveludava o musgo. E tanta suavidade
Havia, de fazer chorar nesse sol-posto.

A viração do oceano acariciava o rosto
como incorpóreas mãos. Fosse mágoa ou saudade,
Tu olhavas, sem ver, os vales e a cidade.
− Foi então que senti sorrir o meu desgosto...

Ao fundo do mar batia a crista dos escolhos...
Depois o céu... e mar e céus azuis: dir-se-ia
Prolongarem a cor ingênua de teus olhos...

A paisagem ficou espiritualizada.
Tinha adquirido uma alma. E uma nova poesia
Desceu do céu, subiu do mar, cantou na estrada...


*Manuel Bandeira*
Em “A cinza das horas”, São Paulo, Global Editora, 3ª Edição, 1993.

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