domingo, 24 de janeiro de 2021

 “É preciso amar o inútil

[...]

Ouça, Virgínia, é preciso amar o inútil.
Criar pombos sem pensar em comê-los,
plantar roseiras sem pensar em colher rosas,
escrever sem pensar em publicar,
fazer coisas assim,
sem esperar nada em troca.
A distância mais curta entre dois pontos,
pode ser a linha reta,
mas é nos caminhos curvos
que se encontram as melhores coisas.
A música – acrescentou detendo-se ao ouvir os sons de um piano num exercício ingênuo.
– Este céu que nem promete chuva –
prosseguiu atirando a cabeça para trás.
– Aquela estrelinha que está nascendo, ali...
está vendo aquela estrelinha?
Há milênios não tem feito nada,
não guiou os Reis Magos, nem os pastores,
nem os marinheiros perdidos...
Não faz nada. Apenas brilha.
Ninguém repara nela porque é uma estrela inútil.
Pois é preciso amar o inútil porque no inútil está a Beleza.
No inútil também está Deus.
Virginia apertou o ramo de rosas contra o peito.
Inútil é o amor que eu tenho por você, quis dizer-lhe.
Não disse.


[...]

*Ligia Fagundes Telles*
Em “CIRANDA DE PEDRA”, Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, 20ª Edição, 1984.

Nenhum comentário: