terça-feira, 19 de janeiro de 2021

Três idades

A vez primeira que te vi,
Era eu menino e tu menina.
Sorrias tanto… Havia em ti
Graça de instinto, airosa e fina.
Eras pequena, eras franzina…

Ao ver-te a rir numa gaivota,
Meu coração entristeceu.
Por quê? Relembro, nota a nota,
Essa ária como enterneceu
O meu olhar cheio do teu.

Quando te vi segunda vez,
Já eras moça, e com que encanto
A adolescência em ti se fez!
Flor e botão… Sorrias tanto…
E o teu sorriso foi meu pranto…

Já eras moça… Eu, um menino…
Como contar-te o que passei?
Seguiste alegre o teu destino…
Em pobres versos te chorei.
Teu caro nome abençoei.

Vejo-te agora. Oito anos faz,
Oito anos faz que não te via…
Quanta mudança o tempo traz
Em sua atroz monotonia!
Que é do teu riso de alegria?

Foi bem cruel o teu desgosto.
Essa tristeza é que mo diz…
Ele marcou sobre o teu rosto
A imperecível cicatriz:
És triste até quando sorris…

Porém teu vulto conservou
A mesma graça ingênua e fina…
A desventura te afeiçoou
À tua imagem de menina.
E estás delgada, estás franzina…


*Manuel Bandeira*
Em “Estrêla da Vida Inteira”, Rio de Janeiro,
Editora José Olympio Editôra/Instituto Nacional do Livro, 2ª Edição, 1970.

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