sábado, 19 de junho de 2021

 Cheiro de chuva
 
Deus, que saudosa manhã,
Em que ouço a melodia
Do canto da saparia
E o grito da jaçanã!
Ai! Quem conhece esse encanto
No meu sertão grato e santo
Esquecer não poderá.
O que há de bom nesta vida,
Pode passar de corrida,
A saudade deixará.
 
Vendo d’água a terra cheia,
Eu sinto a doce lembrança
De meu tempo de criança,
Dos meus açudes de areia;
A corrente do regato,
O cheiro de flor do mato
Das caatingas do sertão,
Tudo são gratas memórias
Que vêm cavar mil histórias
Plantadas no coração.
 
Nada mais belo e atraente
Do que, no rio revolto,
Pelejar de braço solto
De encontro à bruta corrente.
Lembro-me bem, no Espinharas,
Em manhãs boas e claras,
Após noite de trovão
A gente afogava as mágoas,
Cortando o peito nas águas
Como simples diversão.
 
Depois de ver-se na terra
Fartura d’água rolando,
O relâmpago faiscando,
O trovão quebrando a serra,
O gemer das cachoeiras,
Nas madrugadas fagueiras
Dá testemunho aos ateus
De que toda essa grandeza
É a própria Natureza
Cantando a glória de Deus.

 
*José Lucas de Barros*
Em  “Panorama da poesia norte-riograndense (Rômulo C. Wanderley)”,
Rio de Janeiro, Edições do Val Ltda., 1965.

Nenhum comentário: