sábado, 19 de junho de 2021

Capítulo 1

Verdes mares bravios de minha terra natal, onde canta a jandaia 
nas frondes da carnaúba;
Verdes mares, que brilhais como líquida esmeralda aos raios do sol nascente,
perlongando as alvas praias ensombradas de coqueiros.
Serenai verdes mares, e alisai docemente a vaga impetuosa, para que o barco
aventureiro manso resvale à flor das águas.
Onde vai a afouta jangada, que deixa rápida a costa cearense, aberta 
ao fresco terral a grande vela?
Onde vai como branca alcíone buscando o rochedo pátrio nas solidões do oceano?
Três entes respiram sobre o frágil lenho que vai singrando veloce, mar em fora;
Um jovem guerreiro cuja tez branca não cora o sangue americano; uma criança 
e um rafeiro que viram a luz no berço das florestas, e brincam irmãos, 
filhos ambos da mesma terra selvagem.
A lufada intermitente traz da praia um eco vibrante, que ressoa entre o 
marulho das vagas: – Iracema!
O moço guerreiro, encostado ao mastro, leva os olhos presos na 
sombra fugitiva da terra;
a espaços o olhar empanado por tênue lágrima cai sobre o jirau, onde folgam
as duas inocentes criaturas, companheiras de seu infortúnio.
Nesse momento o lábio arranca d'alma um agro sorriso.
Que deixara ele na terra do exílio?
Uma história que me contaram nas lindas várzeas onde nasci, à calada da noite, quando a lua passeava no céu argenteando os campos, e a brisa rugitava nos palmares. 
Refresca o vento.
O rulo das vagas precipita. O barco salta sobre as ondas e desaparece no horizonte.
Abre-se a imensidade dos mares, e a borrasca enverga, como o condor, 
as foscas asas sobre o abismo.
Deus te leve a salvo, brioso e altivo barco, por entre as vagas revoltas,
e te poje nalguma enseada amiga.
Soprem para ti as brandas auras; e para ti jaspeie a bonança mares de leite.
Enquanto vogas assim à discrição do vento, airoso barco, volva às brancas areias a saudade, que te acompanha, mas não se parte da terra onde revoa.


*José de Alencar*
(José Martiniano de Alencar)
Em “ IRACEMA”, São Paulo, Ateliê Editorial, 1ª Edição, 2007.

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