“A Manuel Bandeira:
Homenagem minha e de uma rua
I
Num tempo muito cedo em minha vida
Várias vezes visitei Tia Rosinha
Na sua casa da Rua da União.
O vento vinha do mar sobre os sobrados antigos
Do velho Recife: passava sobre a confluência
Dos dois rios da cidade ̵ de águas tão diferentes!
E vinha balouçar-se nos ramos das ‘Casuarinas’
Da Escola Normal: balouçar-se e… plangentes.
̵ Os bicos das aves que havia no vento
Bicavam o liso reboco das casas da rua,
E nele abriam pequeninos orifícios…
Nele, naquele reboco, liso e vidrado como se fosse de louça.
Pela calçada da Assembléia,
Ao longo da Rua arborizada de ‘Carolinas’
Sempre de grandes frutos carregadas,
̵ Frutos cor de batina de padre franciscano ̵
Passavam as normalistas,
Os estudantes, passam/passavam, do Ginásio Pernambucano
̵ Na paz recifense da tarde presente/perene, e quieta
Havia um pressentimento de que ali,
Alguns anos atrás, também passara um poeta.
II
Num sobrado da Rua da União,
Entre as ruas do Príncipe e Riachuelo,
Desfiaram-se as minhas primeiras horas de trabalho;
Era defronte do pequeno jardim do Senado
̵ Jardim de um canteiro somente ̵ do qual um meu amigo,
̵ Excelente mentiroso ̵ e, ali, alto empregado,
Era o ‘jardineiro’,
Nesse trecho da rua moravam lindas moças morenas,
Lindas moças muito brancas moravam…
Da prancheta em que desenhava, no primeiro andar,
Vi-as de longe, nos seus vestidos claros e leves,
Num passo tranqüilo, conduzindo e ondulante,
Quase sempre na direção da Rua da Aurora.
Para esta rua saía, às quatro da tarde,
Com os meus companheiros de trabalho;
̵ Rua do Sol, pela manhã, e, à tarde, de sombra;
Rua de margem de rio, de calçadas prediletas…
Tinha-se a impressão que conosco, às vezes,
Conosco, ao nosso lado, ia também um Poeta.
III
No trecho em que termina na Rua Formosa,
Numa de suas casas, a Rua da União me foi moradia;
Era uma casa de corredor independente,
Daquelas que conservam em mistério a sala de visitas;
̵ Tinha/tem um sótão com janela para a rua,
De onde se viam as palmeiras da Igreja dos ingleses.
Uma noite me chamaram: alguém me procurava;
Desci a escada do sótão, fui até o corredor;
Diante de mim, sorrindo,
Estava uma poeta: Manuel Bandeira;
Estava presente, o pressentido ̵ duas vezes ̵ naquela Rua.
Falou-me de Nicolaus Lenau, de Maurice de Guérin,
De Gonçalves Dias, de Antônio Nobre, de… de… de…
E vi, e contemplei/compreendi.
̵ Através dele: Um ̵ um por um ̵ todos os que vivem em poesia.
̵ Estava presente, o pressentido.
Na/da Rua da União passou/saiu para o Mundo
Um grande Poeta: Manuel Bandeira.”
*Joaquim Cardozo*
Em “Poesia Completa e Prosa - Volume Único”, Rio de Janeiro,
Editora Nova Aguilar e Editora Massangana, 1ª Edição, 2008.
Homenagem minha e de uma rua
I
Num tempo muito cedo em minha vida
Várias vezes visitei Tia Rosinha
Na sua casa da Rua da União.
O vento vinha do mar sobre os sobrados antigos
Do velho Recife: passava sobre a confluência
Dos dois rios da cidade ̵ de águas tão diferentes!
E vinha balouçar-se nos ramos das ‘Casuarinas’
Da Escola Normal: balouçar-se e… plangentes.
̵ Os bicos das aves que havia no vento
Bicavam o liso reboco das casas da rua,
E nele abriam pequeninos orifícios…
Nele, naquele reboco, liso e vidrado como se fosse de louça.
Pela calçada da Assembléia,
Ao longo da Rua arborizada de ‘Carolinas’
Sempre de grandes frutos carregadas,
̵ Frutos cor de batina de padre franciscano ̵
Passavam as normalistas,
Os estudantes, passam/passavam, do Ginásio Pernambucano
̵ Na paz recifense da tarde presente/perene, e quieta
Havia um pressentimento de que ali,
Alguns anos atrás, também passara um poeta.
II
Num sobrado da Rua da União,
Entre as ruas do Príncipe e Riachuelo,
Desfiaram-se as minhas primeiras horas de trabalho;
Era defronte do pequeno jardim do Senado
̵ Jardim de um canteiro somente ̵ do qual um meu amigo,
̵ Excelente mentiroso ̵ e, ali, alto empregado,
Era o ‘jardineiro’,
Nesse trecho da rua moravam lindas moças morenas,
Lindas moças muito brancas moravam…
Da prancheta em que desenhava, no primeiro andar,
Vi-as de longe, nos seus vestidos claros e leves,
Num passo tranqüilo, conduzindo e ondulante,
Quase sempre na direção da Rua da Aurora.
Para esta rua saía, às quatro da tarde,
Com os meus companheiros de trabalho;
̵ Rua do Sol, pela manhã, e, à tarde, de sombra;
Rua de margem de rio, de calçadas prediletas…
Tinha-se a impressão que conosco, às vezes,
Conosco, ao nosso lado, ia também um Poeta.
III
No trecho em que termina na Rua Formosa,
Numa de suas casas, a Rua da União me foi moradia;
Era uma casa de corredor independente,
Daquelas que conservam em mistério a sala de visitas;
̵ Tinha/tem um sótão com janela para a rua,
De onde se viam as palmeiras da Igreja dos ingleses.
Uma noite me chamaram: alguém me procurava;
Desci a escada do sótão, fui até o corredor;
Diante de mim, sorrindo,
Estava uma poeta: Manuel Bandeira;
Estava presente, o pressentido ̵ duas vezes ̵ naquela Rua.
Falou-me de Nicolaus Lenau, de Maurice de Guérin,
De Gonçalves Dias, de Antônio Nobre, de… de… de…
E vi, e contemplei/compreendi.
̵ Através dele: Um ̵ um por um ̵ todos os que vivem em poesia.
̵ Estava presente, o pressentido.
Na/da Rua da União passou/saiu para o Mundo
Um grande Poeta: Manuel Bandeira.”
*Joaquim Cardozo*
Em “Poesia Completa e Prosa - Volume Único”, Rio de Janeiro,
Editora Nova Aguilar e Editora Massangana, 1ª Edição, 2008.
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