sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

Elegias

I

Teu vulto leve, ao fundo do passado,
Volve-me, ás vezes, um olhar maguado
Que lembra o luar, por entre névoas finas.
Ainda tenho no espelho das retinas
O parque familiar, e os velhos bancos
Onde a vida juntou em dias vãos,
A’s tuas lindas mãos ás minhas mãos.

Onde estás, minha doce companheira?
Como a rosa, que tomba da roseira,
A hora tomba no espaço, sem rumor...
Longe murmura a trompa de um pastor,
Pela tarde que morre, lentamente.
E o poente é como aquelle mesmo poente
Que a terra toda encheu de um sonho triste
Quando sombra, entre sombras, me fugiste!

Ficaste numa curva do passado,
Como dóe recordar o tempo andado
Nas manhãs de illusão, nas noites calmas!
Uma lagrima a abrir dentro das almas
Como um pallido sol num céo de outono,
Um gesto, um longo gesto de abandono,
Um desconsolo, um pouco de saudade,
E nisso está toda a felicidade...

Sobre os campos, em seu vestido louro,
A primavera ri nos botões de ouro;
Entre as ondas vermelhas das espigas
Voltam cantando, em bando, raparigas,
E, dentre a púrpura que envolve o ambiente,
Vai surgindo aos meus olhos lentamente,
Como um rôlo de incenso, no ar lavado,
Teu vulto leve ao fundo do passado...
”          

*Ronald de Carvalho*
Em “Poemas e Sonetos”, Rio de Janeiro, Editôres Leite Ribeiro & Maurillo, 1ª Edição, 1919.

Nenhum comentário: