domingo, 17 de janeiro de 2016

Salmo do Instante - III

                                   A Mário Bezerra

O tempo flui, matando o mundo,
deixando atrás as coisas gastas,
infinito desnudo e já vivido.
O tempo flui bebendo o vinho
do céu, do espaço,
e amputando as mãos de Deus.

Gastando o mundo, o tempo flui
enquanto os germes sutis da vida
são triturados à luz do sol.
Vergando de infâncias,
o tempo vai lavando o céu
como uma vidraça, uma mancha
na transparência infinita.

O templo flui,
como uma língua nos carrilhões,
ondas de luz, vozes de morte,
ecos noturnos, vento distante.
Como o momento legado
pelas memórias antigas,
o tempo flui:
a mão amiga que se foi,
a voz ausente, a hora outrora,
a madrugada lenta da alma
− a cor mais íntima que se conhece.

O tempo flui, limpando o mundo
da umidade das criaturas,
desses lugares impregnados
onde os homens se ocultam
da face dura do infinito.
O tempo flui arrasador
sobre as estrelas, sobre os espaços,
deixando apenas a alma de Deus
como a essência sobrevivente.


*Yttérbio Homem de Siqueira*
Em “Abismo intacto”, Rio de Janeiro, Livraria José Olímpio Editora 
(convênio com a FUNDARPE/Recife), 1ª Edição, 1983.

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