domingo, 8 de julho de 2018

Por enquanto, devoro apenas

Por enquanto, devoro apenas,
com paciente ritmo,
estas folhagens do mundo.

Por enquanto, sou este corpo necessário
que se enruga à luz do dia, à leveza do ar.
Corpo não escolhido,
aceito, de paciente ritmo.

Deixai-me depois dormir meu tempo indispensável
enrolada nestes fios que humilde tece
um paciente ritmo,
deixai-me descansar nesta experiência de tela frágil
onde prolongo a aprendizagem
de cada instante na escola do paciente ritmo.
Estarei ouvindo os comandos
de infinitos professores sem voz.

Deixai-me elaborar as asas claras
de paciente ritmo,
para a alegria de não ter mais peso,
de desprender-me do obrigatório alimento,
de ter merecido a etérea liberdade.

Deixai-me ir, enfim, sobre ar e luz,
com a substância apenas das cores,
no ritmo paciente
que me vai desfazer em cinzas de seda,
num pequeno arco-íris de pó.

Mas tudo isto está sendo inventado agora,
por este corpo melancólico,
de paciente ritmo,
que resignado devora
(na verdade inapetente)
as folhagens do mundo.


*Cecília Meireles*
Em “Estudante Empírico”, Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, 1ª Edição, 2005.

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