domingo, 29 de setembro de 2013

Retrato do poeta quando jovem

Há na memória um rio onde navegam
Os barcos da infância, em arcadas
De ramos inquietos que despregam
Sobre as águas as folhas recurvadas.

Há um bater de remos compassado
No silêncio da lisa madrugada,
Ondas brancas se afastam para o lado
Com o rumor da seda amarrotada.

Há um nascer do sol no sítio exato,
À hora que mais conta duma vida,
Um acordar dos olhos e do tacto,
Um ansiar de sede inextinguida.

Há um retrato de água e de quebranto
Que do fundo rompeu desta memória,
E tudo quanto é rio abre no canto
Que conta do retrato a velha história.


*José Saramago*

Em “OS POEMAS POSSÍVEIS”, Lisboa, Editorial Caminho, 3ª edição, 1981.

2 comentários:

Brilho disse...

Falando ao Coração

Desperta, coração! vamos morar
N’uma casinha branca, ao pé do Mar…
Que seja linda como é linda a Lua
Que em noites santas pelo Azul flutua:
Imaculada como a luz do Amor,
Alva de neve como um sonho em flor.

Quando a Noite vier… se no meu seio
Estremeceres cheio de receio,
- Tremendo a sombra que amortalha o Dia
E cobre a terra de melancolia, -
Longe do mundo e da desesperança,
Hei de embalar-te como uma criança.

Quero que escutes o gemer profundo
Do Mar que chora a pequenez do mundo
E ouças cantar a doce barcarola
Da noite imensa que se desenrola,
Dando perfume ao coração dos lírios,
Trazendo sonhos para os meus martírios.

E quando o Sol nascer; quando, formosa
Como uma garça branca e misteriosa,
Batendo as asas cor de neve, a Aurora
Vier cantando pelo mundo a fora,
Rufla as asas também… e forte, então,
Tu podes palpitar, meu coração!

Acorda para a Vida e canta e canta,
O Sol da Terra - iluminada e santa!
Deixa o teu sonho de saudade e dores
Dormir no seio trêmulo das flores…
E foge e foge pelo Espaço, à toa,
Pomba exilada que a seus lares voa!

Esquece a louca e pálida amargura
Que há tantos anos meu viver tortura…
Canta o teu hino de ilusão querida,
Esquece tudo o que não seja a Vida,
E, para o Céu das alegrias mansas,
Conduz nas asas minhas esperanças…

Não vês? Minh’alma é como a pena branca
Que o vento amigo da poeira arranca
E vai com ela assim, de ramo em ramo,
Para um ninho gentil de gaturamo…
Leva-me, ó coração, como esta pena
De dor em dor até à paz serena.

Desperta, coração, vamos morar
N’uma casinha branca, ao pé do Mar…
Quero que escutes, a sonhar comigo,
A queixa eterna do Oceano amigo
E ouças o canto triunfal da Aurora
Batendo as asas pelo Mar a fora…

Auta de Souza

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Migalha de Ventura

Tirem-me a luz que os olhos me alumia,
O ar que me enche os pulmões e o céu que adoro;
Tirem-me esses momentos de alegria,
Tirem-me a voz de pássaro canoro;

Tirem-me a paz do espírito, a harmonia
Da vida, e o mar que canta, quando eu choro
Tirem-me a noite e, ao luar da noite fria,
O sonoro esplendor do céu sonoro;

Tirem-me a glória de viver, o encanto,
A lágrima, o sorriso, a mocidade
Que faz com que eu na vida engane tanto!

Tirem-me o manto, deixem-me desnudo,
Mas não me tirem da alma esta saudade,
Que é meu sangue, meu ser, meu pão, meu tudo!

Olegário Mariano


Elaine,
Agradecida pelas palavras.
Também, é impossível não se
emocionar com tuas escolhas, sempre belas.

Fraterno abraço!

Elaine Bastos disse...

BIluminado,

nunca, nunca é demais ler e reler estes poemas...
Eles iluminam a alma e acalentam o coração...
Você, como de costume, deixa-me emocionada!
Grata, grata, gratíssima...
Beij'abraço fraterno.