sábado, 12 de agosto de 2017

Sou raiz
    
Sou raiz, e vou caminhando
sobre as minhas raízes tribais.

Velhas jardineiras do passado…
Condutores e cobradores, vós me levastes de mistura
com os pequenos e iletrados, pobres e remendados…
Destes-me o nível dos humildes em tantas lições de vida.
Passante das estradas rodageiras, boiadeiros e comissários,
aqui fala a velha rapsoda.
Escuto na distância o sonido augusto do berrante que marca
o compasso das manadas que vão pelas estradas.
O mugido, o berro, o chamado da querência, a aguada,
o barreiro salitrado, a solta, o curral, a porteira,
a tronqueira, o cocho, o moirão, a salga, o ferro de marcar,
rubro, esbraseado. A castração impiedosa.
Eu sou a gleba e nada mais pretendo ser.
Mulher primária, roceira, operária, afeita à cozinha,
ao curral, ao coalho, ao barreleiro, ao tacho.
Seguro sempre nas mãos cansadas a velha candeia
de azeite veletudinária e vitalícia do passado.

Viajei nas velhas e valentes jardineiras
do interior roceiro, suas estradas de terra,
lameiros e atoleiros, seus heróicos e anônimos condutores
e cobradores, práticos, sabidos daqueles motores desgastados,
molas e lataria rangentes.
Santos milagreiros eram eles. Onde estarão?
Viajei de par com os humildes que tanto me ensinaram.

Viajantes das velhas jardineiras, meus vizinhos
das estradas viaje iras…
Meus trabalhadores: Manoel Rosa, José Dias, Paulo, Manoel,
João, Mato Grosso, plantadores e enxadeiros, meus vizinhos sitiantes,
onde andarão eles?
Andradina, Castilho, Jaboticabal, comissários e boiadeiros, tangerinos,
esta página é toda de vocês.
Fala de longe a velha rapsoda.


*Cora Coralina*
Em “VINTÉM DE COBRE - meias confissões de Aninha”, São Paulo, 
Global Editora, 6ª Edição, 1997.

Nenhum comentário: