domingo, 20 de agosto de 2017

O inútil luar

É noite. A Lua, ardente e terna,
Verte na solidão sombria
A sua imensa, a sua eterna
Melancolia...

Dormem as sombras na alameda
Ao longo do ermo Piabanha.
E dele um ruído vem de seda
Que se amarfanha...

No largo, sob os jambolanos,
Procuro a sombra embalsamada.
(Noite, consolo dos humanos!
Sombra sagrada!)

Um velho senta-se ao meu lado.
Medita. Há no seu rosto uma ânsia...
Talvez se lembre aqui, coitado!
De sua infância.

Ei-lo que saca de um papel...
Dobra-o direito, ajusta as pontas,
E pensativo, a olhar o anel,
Faz umas contas...

Com outro moço que se cala,
Fala um de compleição raquítica.
Presto atenção ao que ele fala:
– É de política.

Adiante uma senhora magra,
Em ampla charpa que a modela,
Lembra uma estátua de Tanagra.
E, junto dela,

Outra a entretém, a conversar:
– ‘Mamãe não avisou se vinha.
Se ela vier, mando matar
Uma galinha.’

E embalde a Lua, ardente e terna,
Verte na solidão sombria
A sua imensa, a sua eterna
Melancolia...


*Manuel Bandeira*
Em “Estrela da Vida Inteira”, Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, 20ª Edição, 1993.

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