[...]
“Narizinho e Emília escolhiam figurinos em casa de dona Aranha Costureira.
Depois passaram a escolher fazendas.
Dona Aranha tirou dos seus armários de madrepérola um vestido cor-do-mar com
todos os seus peixinhos; e com o maior pouco caso, como se fosse de alguma
casinha barata, desdobrou-o diante das freguesas assombradas.
— Que maravilha das maravilhas! — exclamou Narizinho, de olhos arregalados, sentindo uma tontura tão forte que teve de sentar-se para não cair.
Era um vestido que não lembrava nenhum outro desses que aparecem nos figurinos.
Feito de seda? Qual seda nada! Feito de cor — e cor do mar!
Em vez de enfeites conhecidos — rendas, entremeios, fitas, bordados, plissês
ou vidrilhos, era enfeitado com peixinhos do mar. Não de alguns peixinhos só,
mas de todos os peixinhos — os vermelhos, os azuis, os dourados, os de
escamas furta-cor, os compridinhos, os roliços como bolas, os achatados,
os de cauda bicudinha, os de olhos que parecem pedras preciosas, os
de longos fios de barba movediços — todos, todos!…
Foi ali que Narizinho viu como eram infinitamente variadas a forma e a cor dos habitantes do mar. Alguns davam idéia de verdadeiras jóias vivas, como se feitos por um ouvires que não tivesse o menor dó de gastar os mais ricos diamantes e opalas e rubis e esmeraldas e pérolas e turmalinas da sua coleção. E esses peixinhos-jóias não estavam pregados
no tecido, como os enfeites e aplicações que se usam na terra. Estavam vivinhos, nadando na cor do mar como se nadassem n’água. De modo que o vestido
variava sempre, e variava tão lindo, lindo, lindo, que a tontura da menina
apertou e ela pôs-se a chorar.
— É a vertigem da beleza! — exclamou dona Aranha sorridente,
Dona Aranha tirou dos seus armários de madrepérola um vestido cor-do-mar com
todos os seus peixinhos; e com o maior pouco caso, como se fosse de alguma
casinha barata, desdobrou-o diante das freguesas assombradas.
— Que maravilha das maravilhas! — exclamou Narizinho, de olhos arregalados, sentindo uma tontura tão forte que teve de sentar-se para não cair.
Era um vestido que não lembrava nenhum outro desses que aparecem nos figurinos.
Feito de seda? Qual seda nada! Feito de cor — e cor do mar!
Em vez de enfeites conhecidos — rendas, entremeios, fitas, bordados, plissês
ou vidrilhos, era enfeitado com peixinhos do mar. Não de alguns peixinhos só,
mas de todos os peixinhos — os vermelhos, os azuis, os dourados, os de
escamas furta-cor, os compridinhos, os roliços como bolas, os achatados,
os de cauda bicudinha, os de olhos que parecem pedras preciosas, os
de longos fios de barba movediços — todos, todos!…
Foi ali que Narizinho viu como eram infinitamente variadas a forma e a cor dos habitantes do mar. Alguns davam idéia de verdadeiras jóias vivas, como se feitos por um ouvires que não tivesse o menor dó de gastar os mais ricos diamantes e opalas e rubis e esmeraldas e pérolas e turmalinas da sua coleção. E esses peixinhos-jóias não estavam pregados
no tecido, como os enfeites e aplicações que se usam na terra. Estavam vivinhos, nadando na cor do mar como se nadassem n’água. De modo que o vestido
variava sempre, e variava tão lindo, lindo, lindo, que a tontura da menina
apertou e ela pôs-se a chorar.
— É a vertigem da beleza! — exclamou dona Aranha sorridente,
dando-lhe a cheirar um vidrinho de éter.
Emília espichou a munheca para apalpar a fazenda; queria ver se era encorpada.
— Não bula! — murmurou Narizinho com voz fraca, ainda de olhos turvos.
O mais lindo era que o vestido não parava um só instante. Não parava de faiscar e brilhar, e piscar e furta-cor, porque os peixinhos não paravam de nadar nele, descrevendo as mais caprichosas curvas por entre as algas boiantes.
As algas ondeavam as suas cabeleiras verdes e os peixinhos brincavam de rodear os fios ondulantes sem nunca tocá-los nem com a pontinha do rabo. De modo que tudo aquilo virava e mexia e subia e descia e corria e fugia e nadava e boiava e pulava
e dançava que não tinha fim…
A curiosidade de Emília veio interromper aquele êxtase.
— Mas quem é que fabrica esta fazenda, dona Aranha? — perguntou ela, apalpando o tecido sem que Narizinho visse.
— Este tecido é feito pela fada Miragem — respondeu a costureira.
— E com que a senhora o corta?
— Com a tesoura da Imaginação.
— E com que agulha o cose?
— Com a agulha da Fantasia.
— E com que linha?
— Com a linha do Sonho.
— E… por quanto vende o metro?
Narizinho, já mais senhora de si, deu-lhe uma cotovelada.
— Cale-se, Emília. Os peixinhos podem assustar-se com as suas asneiras
e fugir do vestido.”
Emília espichou a munheca para apalpar a fazenda; queria ver se era encorpada.
— Não bula! — murmurou Narizinho com voz fraca, ainda de olhos turvos.
O mais lindo era que o vestido não parava um só instante. Não parava de faiscar e brilhar, e piscar e furta-cor, porque os peixinhos não paravam de nadar nele, descrevendo as mais caprichosas curvas por entre as algas boiantes.
As algas ondeavam as suas cabeleiras verdes e os peixinhos brincavam de rodear os fios ondulantes sem nunca tocá-los nem com a pontinha do rabo. De modo que tudo aquilo virava e mexia e subia e descia e corria e fugia e nadava e boiava e pulava
e dançava que não tinha fim…
A curiosidade de Emília veio interromper aquele êxtase.
— Mas quem é que fabrica esta fazenda, dona Aranha? — perguntou ela, apalpando o tecido sem que Narizinho visse.
— Este tecido é feito pela fada Miragem — respondeu a costureira.
— E com que a senhora o corta?
— Com a tesoura da Imaginação.
— E com que agulha o cose?
— Com a agulha da Fantasia.
— E com que linha?
— Com a linha do Sonho.
— E… por quanto vende o metro?
Narizinho, já mais senhora de si, deu-lhe uma cotovelada.
— Cale-se, Emília. Os peixinhos podem assustar-se com as suas asneiras
e fugir do vestido.”
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*Monteiro Lobato*
Trecho extraído do livro “Reinações de Narizinho”, São Paulo,
Companhia Editora Nacional, 1945, pág. 16.
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